
E é esta a lógica que faz Rambo voltar a uma zona de conflito 20 anos depois do último filme, "Rambo 3" (1988), onde o herói resgata um amigo no Afeganistão invadido pelos soviéticos.
Para encerrar a trajetória de um dos mais conhecidos personagens do cinema, Stallone queria um conflito desconhecido. Nada de Darfur, Iraque, Colômbia ou Afeganistão. "Perguntei para a revista 'Soldier of Fortune' e para as Nações Unidas qual seria o mais devastador abuso dos direitos humanos e o menos divulgado do mundo, e me disseram que era Mianmar", explicou o ator, diretor e roteirista de "Rambo 4" em entrevista durante as filmagens.
No filme, que estréia nos cinemas brasileiros na próxima sexta-feira (29), o guerreiro solitário, recolhido na Tailândia, é um barqueiro no rio Salween, o mais longo rio da Ásia e localizado na fronteira com Mianmar. Na região ocorre a mais longa "guerra civil": há 60 anos, a tribo Karen luta contra o Exército pela independência da minoria étnica, em meio a uma onda de repressão, assassinatos, torturas, mutilações e execuções orquestradas pelos militares, que comandam com mãos de ferro o país desde 1962, quando um golpe de Estado derrubou o governo civil.
Com ação do começo ao fim, mantendo o espectador atento, Stallone está com a fisionomia cansada em "Rambo 4", mas mantém o pique dos filmes anteriores, até mesmo nas partes em que questiona o seu destino como matador. A produção não traz apenas "mais do mesmo", com a violência pela violência, mas tem uma mensagem política, em conversas onde Rambo diz acreditar que só remédios, bíblias e ajuda humanitária não podem acabar com as guerras.
Vivendo com simplicidade nas montanhas após ter desistido de lutar, Rambo é procurado por missionários cristãos que o convencem a guiá-los pelo rio Salween acima, a única porta de entrada em Mianmar. Nas mãos de Stallone, Sarah (Julie Benz), Michael Bennett (Paul Schulze) e outros médicos chegam a salvo a uma localidade da tribo Karen para distribuir ajuda humanitária, mas são capturados pelo Exército.
Rambo reluta, mas encara a última missão: levar mercenários contratados pela igreja cristã para resgatar os missionários norte-americanos. Um integrante da União Nacional Karen (UNK), guerrilha com maior capacidade militar do país, os conduz até a região onde a tribo fora dizimada e os pregadores presos.
Cabeças decepadas, corpos mutilados sendo consumidos pelas moscas, pernas amputadas e pessoas em chamas. O horror e a destruição assustam até mesmo os ex-combatentes da guerra do Vietnã, que relutam em continuar. Soldados transformam os birmaneses em brinquedos, e apostam qual dos capturados sobrevive a uma corrida em campo minado. E eis que surge Rambo, o "exército de um homem só", matando todos os soldados e orquestrando um plano para o resgate dos missionários na base com cerca de 500 homens de infantaria do Exército.
Em meio à violência da realidade no interior de Mianmar, Rambo cumpre a incumbência de salvar os missionários, degolando com as mãos um militar que tentava estuprar a mocinha do filme, Sarah, e matando seu arqui-rival, um general sádico que aproveita para fumar enquanto observa a matança promovida por seus comandados.
"Ao salvar Sarah e os missionários, ele está salvando parte dele mesmo", diz Stallone, em comunicado. "A agressão de Rambo não é super-humana. É humana, brutal, real", afirma o produtor Kevin King, sobre as críticas pelas cenas violentas - com efeitos computadorizados bem feitos.
Com perfeito jogo de luzes e cenas emocionantes, "Rambo 4" denuncia um conflito ignorado pelos holofotes e que voltou às manchetes em junho de 2007, quando o Exército birmanês reprimiu com violência manifestações de monges budistas contra os abusos aos direitos humanos e à liberdade no país. O mundo viu imagens de corpos mutilados boiando em rios e um fotógrafo sendo assassinado durante passeata nas ruas. A ONU foi impedida de investigar os abusos e a crise continua até hoje.
Ameaças de morte
Em Londres, Stallone contou que recebeu ameaças de morte enquanto rodava o filme. "É uma parte do mundo muito perigosa. Um monte de gente realmente desaparece por ali e você sabe que muitos não queriam que esse filme fosse realizado", explica Stallone.
"As guerras civis continuam por 60 anos e ninguém sabe a real verdade porque eles pagam uma fortuna para manter tudo isso em silêncio", disparou o astro.
Revitalizando a franquia
Aos 61 anos, Stallone levantou polêmicas com o lançamento de Rambo 4, não só por revitalizar a franquia como também por falar abertamente sobre questões pessoais nas filmagens do longa-metragem. O ator confessou ter usado um tipo de anabolizante para manter a forma e defendeu o uso da substância. "Em dez anos todo mundo vai buscar ajuda nesses métodos", disse ele no lançamento oficial do filme nos Estados Unidos.
O primeiro filme da série Rambo foi lançado em 1982 e ganhou seqüências em 1985 e 1988. "Estou me sentindo com 20 anos novamente. A diferença é a artrite que eu tenho", brincou.
Embora não tenha conseguido muito alarde nos Estados Unidos, Rambo 4 trouxe muita atenção na Europa e chegou a ter exibições realizadas até mesmo na EuroDisney.
A obsessão pelo herói garantiu a Stallone a coragem de lançar mais um filme da série, que deve ficar pronto em 2010. Atraído por polêmicas e dizendo estar no "ápice de sua carreira", o ator quer ir até Mianmar desafiar a junta militar por abusos dos direitos humanos.
"Este povo incrivelmente valente encontrou uma espécie de voz, de maneira muito estranha, no cinema norte-americano. Na verdade, eles utilizaram algumas das falas do filme nas manifestações realizadas por lá", afirmou.
Rambo 4 tem sido comercializado em Rangun por vendedores ambulantes, mas a venda do filme vem sendo perseguida pela polícia. Ele teria sido responsável por algumas manifestações realizadas no país nas últimas semanas.
Imagem: moviesmedia
Fonte: Folha Online / Paraíba.com.br / Estadão